Há 30 anos era lançado o maior disco de todos os tempos, Thriller. Claro que, a essa altura, vocês já sabem o que isso representou. Centenas de milhões de cópias vendidas em todo o mundo, vídeos icônicos que todo mundo já assistiu e sabe de cor, e seu criador, Michael Jackson, catapultado à condição de maior astro pop mundial.
Mas as coisas não foram assim tão fáceis quanto possam parecer. Em 1982 havia um enorme apartheid entre "música branca" e "música negra". Quem ouvia uma, não ouvia a outra e ninguém sabia dos sucessos do outro grupo nem mesmo quem eram seus artistas. Isso aconteceu principalmente por dois fatores: O primeiro foi a transição das rádios AM para FM nos Estados Unidos, no fim dos anos 70. Nas emissoras AM, a maioria tocava o que rolava nas paradas de sucesso de qualquer gênero. Tocava um sucesso disco, depois um do rock, outro country, e por aí vai. Agradava a todo mundo sem agradar a um público específico. Quando houve a migração para estações FM, decidiu-se que era melhor segmentar. Assim, quem gostava de rock tinha sua rádio só de rock, sem ter que ouvir Donna Summer. Quem gostava de Donna Summer tinha sua rádio black e não precisava aguentar AC/DC até surgir a outra música. O segundo fator é que pesando nesse apartheid tinha o movimento Disco Sucks. Os EUA viviam um momento de ódio à disco desde o fim de 79, então tudo que era black era associado a discoteca e, portanto, isolado em canais específicos.
A situação era tão crítica que a participação de artistas negros nas paradas americanas de 1980 a 1982 havia caído 80%. No fim dos anos 70 o índice de música black nas paradas era de 50%. Em 1982, as únicas músicas "negras" que haviam feito sucesso de verdade eram Truly, do Lionel Richie e Ebony And Ivory, do Stevie Wonder (mas com a ajuda "branca" de Paul McCartney). E na verdade, nem eram nada negras em sua sonoridade. E uma música branca fez sucesso nas paradas negras. Era I Can't Go For That, do Hall & Oates. Estão percebendo o que vem por aí?
A CBS, gravadora de Michael, estava quase falindo e apostou tudo no lançamento do disco. Não à toa, escolheram como single de lançamento The Girl Is Mine, dueto com quem? Isso mesmo, Paul McCartney. A presença de Paul garantiria que a música conseguisse ser tocada em rádios "brancas". Resolveram nem fazer clipe para a faixa, já que a MTV, que acabava de debutar, seguia o esquema das rádios e não tocava artistas negros.
The Girl Is Mine até teve um certo sucesso, nada tão estrondoso, mas atingiu seu objetivo: furar o bloqueio e preparar o terreno para o que estava por vir. Em janeiro de 1983, foi lançado o segundo single de Michael, Billie Jean, com uma batida e linha de baixo semelhantes àquelas do sucesso de Hall & Oates. Coincidência?
Billie Jean conseguiu o que todos queriam: que uma música negra de verdade voltasse às rádios pop e às paradas de sucesso. Apostando todas as suas fichas, a CBS mandou produzir vídeos para a faixa e também para o próximo single, Beat It. Lembrem que, excetuando-se raríssimos exemplos, quase não se dançava em videos naquela época. Quando a MTV viu que o clipe de Billie Jean era bom, mas tão bom, decidiu abaixar um pouco a guarda e experimentar exibi-lo. Pronto, acendeu-se a fagulha do megasucesso, tanto para Michael, quando para a MTV. Era um casal perfeito. Quando Beat It foi lançada, outra vez trazia o crossover black/white, com as guitarras rock de Eddie Van Halen. É importante dizer que foi em Thriller que até a imagem de Michael Jackson começou a embranquecer. O nariz vinha mais fino, o cabelo menos crespo.
A missão de Michael em Thriller era ao mesmo tempo salvar sua gravadora, impulsionar sua carreira, movimentar a indústria de discos e clipes e restabelecer a paz mundial no mundo segmentado da música do início dos anos 80. Ele conseguiu, mas nunca mais foi o mesmo. E por causa dele, nada será como antes.
Happy anniversary, darling.
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